Por
Ib Sales Tapajós*
26 de abril de 2012 é
uma data histórica para o Brasil. Foi neste dia que o Supremo Tribunal Federal
decidiu, por unanimidade, que a reserva de vagas para negros nas universidades
brasileiras é uma política compatível com a Constituição Federal de 1988. Tal
decisão, devido à forma como foi tomada, em um profundo consenso entre todos os
ministros da corte [1], representou um “tapa na cara” nos setores mais
reacionários da sociedade brasileira, representados pelo DEM, partido que sustentou
a inconstitucionalidade das cotas raciais na ADPF 186, ajuizada no STF em 2009.
As políticas de ação afirmativa
voltadas ao povo negro partem de uma necessidade premente da realidade
brasileira, marcada ainda hoje por uma profunda desigualdade racial. Alguns
dados do IPEA demonstram o grande abismo entre negros e brancos em nosso país: a)
um trabalhador negro ganha em média metade do que ganha um trabalhador branco;
b) de um total de 571 mil crianças entre 7 e 14 anos que estão fora da escola,
62% são crianças negras; c) a taxa de analfabetismo entre os brancos gira em
torno de 8%, sendo de 18% essa taxa entre os negros; d) os brancos estudam em
média 6,9 anos, e os negros 4,7 anos; e) dos jovens negros entre 18 a 24 anos,
apenas 3,8% têm acesso à Universidade, já entre os brancos esse percentual é de
15,5% [2].
Tais dados demonstram a
atualidade das teses do grande sociólogo Florestan Fernandes, que, em 1972, na
obra O negro no mundo dos brancos,
afirmava que “a estrutura racial da sociedade brasileira favorece o monopólio
da riqueza, do prestígio social e do poder pelos brancos. A organização da
sociedade impele o negro para a pobreza, o desemprego ou subdesemprego, e para
o trabalho de negro” [3].
A inferioridade social dos negros
é uma situação resultante de um longo processo histórico no nosso país. Quase 4
séculos de escravidão deixaram marcas profundas na sociedade brasileira, que
são sentidas na pele até hoje pelos afrodescendentes. A “abolição” da escravatura,
em 1888, passou longe de modificar substancialmente a posição do negro na
sociedade brasileira. A exclusão social apenas mudou de forma: os negros
passaram de escravos a párias da sociedade, sem acesso a direitos básicos e desamparados
pelo Estado. O próprio acesso ao mercado de trabalho, no pós-abolição, se
mostrou extremamente dificultoso aos ex-escravos, já que o Estado brasileiro
promoveu uma política perversa de incentivo à imigração de trabalhadores
europeus. Dentre os objetivos de tal política, estava o “branqueamento” da
população brasileira, o qual traria maior progresso econômico, social e
cultural ao país, segundo a ótica dos nossos estadistas de então.
Diante de toda essa
história de violência física, cultural e simbólica praticada contra os negros
no Brasil, é evidente que o Estado e o conjunto da sociedade brasileira possuem
uma enorme dívida social para com o povo negro deste país. Essa dívida não será
paga com a simples adoção de cotas raciais. As ações afirmativas, por mais
importantes que sejam, nunca apagarão nossa história de séculos em que os afrodescendentes
tinham aqui um inferno em vida. Porém, tais ações são importantes medidas
ético-jurídicas a serem tomadas pelo Estado brasileiro a fim de combater a
discriminação racial e engendrar mudanças culturais no nosso país.